Texto na Revista do  Jornal O Globo
'Eu não sirvo de  exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como  piloto de testes.
Sou a Miss  Imperfeita, muito prazer.
Uma imperfeita que  faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional e mulher sou: trabalho todos  os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado três vezes por semana, procuro  minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a  toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, caminho meia hora diariamente,  compro flores para casa, participo de eventos e reuniões ligados à minha  profissão e ainda faço escova toda semana - e as unhas!
E, entre uma coisa e  outra, leio livros.
Portanto, sou  ocupada, mas não uma workaholic.
Por mais  disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam  milagres.
Primeiro: a dizer  NÃO.
Segundo: a não  sentir um pingo de culpa por dizer NÃO.
Culpa por nada,  aliás.
Existe a Coca Zero,  o Fome Zero, o Recruta Zero.
Pois inclua na sua  lista a Culpa Zero.
Quando você nasceu,  nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a  partir daquele momento você seria modelo para os outros.
Seu pai e sua mãe,  acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não  chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Você não é Nossa  Senhora.
Você é,  humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a  delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida  interessante.
Porque vida  interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta,  não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si  a falsa impressão de ser indispensável.
É ter  tempo.
Tempo para fazer  nada.
Tempo para fazer  tudo.
Tempo para dançar  sozinha na sala.
Tempo para  bisbilhotar uma loja de discos.
Tempo para sumir  dois dias com seu amor.
Três  dias.
Cinco  dias!
Tempo para uma  massagem.
Tempo para ver a  novela.
Tempo para receber  aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.
Tempo para fazer um  trabalho voluntário.
Tempo para procurar  um abajur novo para seu quarto.
Tempo para conhecer  outras pessoas.
Voltar a  estudar.
Para  engravidar.
Tempo para escrever  um livro que você nem sabe se um dia será editado.
Tempo,  principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e  profissional sem deixar de existir.
Porque nossa  existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de  memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será  que se destina?
Destina-se a ter o  tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna  anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for  uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada.
Está tentando provar  não-sei-o-quê para não-sei-quem.
Precisa respeitar o  mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si.
Se o trabalho é um  pedação de sua vida, ótimo!
Nada é mais  elegante, charmoso e inteligente do que ser independente.
Mulher que se  sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e  vir.
Desde que lembre de  separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é  escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela  janela.
Desacelerar tem um  custo.
Talvez seja preciso  esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da  M.A.C.
Mas, se você precisa  vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever  seus valores.
E descobrir que uma  bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça  o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva  sobre o que é, afinal, uma vida interessante'.
Martha Medeiros -  Jornalista e escritora
 
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